Entendendo e praticando a aceitação radical
Muitas vezes vivemos situações difíceis de assumir. A aceitação radical nos propõe reduzir a dor por meio da sua prática e sua forma de entender a vida.
A aceitação radical reflete muito mais do que apenas estratégias terapêuticas dentro das Terapias Comportamentais Contextuais. Trata-se de uma posição filosófica central dessas abordagens. Dessa forma, será possível que vocês tenham contato com ela ao escutarem ou lerem sobre Terapia Comportamental Dialética (DBT), Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), Psicoterapia Analítico Funcional (FAP) ou quaisquer outras abordagens de Terapias Comportamentais Contextuais (Hayes, Linehan, Follette, 2011). Em nosso caso, será abordado o entendimento de aceitação radical dentro da DBT.
Aceitação radical – uma completa abertura para a realidade.
Para a DBT, a aceitação radical pode ser entendida como uma completa abertura para a realidade, como essa se apresenta, sem lutar ou utilizar de estratégias ineficazes para não enfrentar ou lidar com ela (Linehan, 2015a). Trabalhar internamente a aceitação radical não é nada fácil, uma vez que nos exige esforços para conseguirmos aceitar a realidade tal como ela é. Normalmente quando essa ideia é colocada para as pessoas que estão sendo introduzidas a DBT (terapeutas iniciando o seu treinamento ou pacientes), inicia-se colocando que a aceitação radical envolve aceitar a sua vida tal como ela é no momento presente (Linehan, 2015a; Linehan, 2015b).
Uma questão que deve ser levantada e é muito comum é a confusão entre aceitar radicalmente algo com conformar-se com algo. É fundamental o entendimento adequado que envolve o não aceitar a realidade, isso porque a conformação é uma estratégia passiva para lidar com os acontecimentos da vida. Ao contrário disso, a aceitação radical envolve expor-se a realidade tal como ela é, trata-se de uma estratégia ativa que requer intencionalidade na sua aplicação (Linehan, 2015b). A aceitação radical não deve ser confundida com aprovar ou lastimar porque também tratam-se de formas passivas de lidar com os acontecimentos da vida (Linehan, 2015b).
No entanto, é possível questionar-se: afinal de contas, porque praticar aceitação radical? Existe uma série de motivos pelos quais se justifica essa prática, o primeiro deles envolve o fato de que não aceitar a realidade, não modifica a realidade. Logo, para que seja possível realizar quaisquer mudanças em nossas vidas é fundamental que reconheçamos exatamente qual é o nosso momento atual, e assim possamos elaborar ações direcionadas para modificar o que queremos mudar.
Aceitação como base para mudança
Estamos diante de um dos maiores paradoxos dentro da DBT que é a aceitação como base para a mudança. É importante que não se confunda a ideia de que aceitação radical seja uma prática com a intenção de mudança, pois não é. A mudança que decorre dessa prática é de um efeito possível mas não uma intenção direta. Ilustrando a situação em questão é como se para enxergar algum detalhe em uma caneta, por exemplo, colocássemos ela cada vez mais perto dos olhos sendo que o efeito disso é simplesmente uma imagem totalmente desfocada e de lá não se enxerga nada em detalhe. No momento em que aceitamos que aproximar a caneta não fará com que se enxergue os detalhes, é possível interromper o ato de aproximar o objeto do rosto e começar a afastá-lo da visão para que o foco da imagem seja estabelecido e assim seja possível enxergar os detalhes até então pretendido. Essa metáfora explica bem o paradoxo entre a aceitação radical e a mudança que a DBT tanto coloca. Além disso, fica evidente o porque não aceitar a realidade não modifica ela, de acordo com o exemplo proposto, ficar tentando incessantemente colocar a caneta mais próxima do rosto para conseguir enxergar o detalhe pretendido só terá dois efeitos: 1) frustração e 2) dor de cabeça (Linehan, 2015a; Linehan, 2015b; McKay & Wood, 2011).
Outro ponto fundamental do porquê realizar o exercício da aceitação radical envolve o fato de que a dor (física ou emocional) faz parte da vida, e lutar contra ela só aumenta o sofrimento pela experiência dolorosa. Um exemplo bem específico disso envolve a dor física de uma lesão muscular. Suponha que uma pessoa resolveu praticar esportes radicais e acabou sofrendo uma pequena contusão muscular nas costas. A dor decorrente da lesão é muito desconfortável, porém, se essa pessoa não aceitar a dor e ficar envolvida em pensamentos de lamentação o efeito disso será que além de sentir dor nas costas, a pessoa começará a sentir raiva em função da não aceitação, podendo inclusive piorar o incômodo da lesão. Todos esses pensamentos naturalmente envolvem uma postura de não aceitação da dor física, ou seja, a postura de não aceitação da experiência dolorosa invariavelmente levará a mais e mais sofrimento (Linehan, 2015a; Linehan, 2015b; McKay & Wood, 2011).
Apesar de tudo o que já foi escrito evidenciando o que é e o porquê praticar a aceitação radical, é necessário ainda se conscientizar da prática. Sendo a melhor definição sobre a utilização da aceitação radical dentro da DBT (Linehan, 2015b). O trabalho de aceitação radical é propício para quando você está vivendo uma vida que não é aquela que você deseja no momento. Lutar contra a realidade de como as coisas são, não as modifica. A ideia da aceitação radical é que possamos aprender a jogar com as cartas que temos (Linehan, 2015a; Linehan, 2015b; McKay & Wood, 2011).
“Aprender a aceitar a realidade, sem resistir, sem muito se lamentar é um passo importante”
Apreciem a importância vital do conceito sobre o nosso tema de hoje, não apenas para o processo psicoterapêutico mas também para o dia a dia. Aprender a aceitar a realidade, sem resistir, sem muito se lamentar é um passo importante que podemos dar no sentido de nos aproximarmos da construção de uma vida mais plena dentro dos nossos valores e limites. Através da aceitação radical ficamos conscientes das “cartas” que temos à nossa disposição para experimentarmos profundamente a nossa vida.