Teoria biossocial: regulação e desregulação emocional
Desregulação emocional é um dos conceitos que têm sido amplamente debatido dentro da saúde mental nos últimos tempos. Apesar disso, evidencia-se uma notória falta de definição mais precisa do significado da desregulação emocional. Além disso, percebe-se, também, que poucas vezes quando o termo “desregulação emocional” é utilizado, apresenta-se algum modelo que explique o desenvolvimento dessa característica. Essa é uma amostra escrita que explica o que é e como ocorre o desenvolvimento da “desregulação emocional” para a DBT, (Linehan, 2015) com o objetivo específico de apresentar qual é o conceito de regulação emocional e desregulação emocional para que uma base seja criada e posterior aprofundamento no modelo biossocial.
Modelo biossocial – entenda.
Cabe salientar que essa não é a única proposta que explica esses conceitos. Essa coluna irá se focar no modelo biossocial que se configura em uma proposta teórica altamente parcimoniosa e que engloba, dentro de seu escopo teórico, uma ampla gama de estudos de ciência básica sobre desregulação emocional (Crowel, Beauchine & Lenzenweger, 2008). O modelo biossocial, então, apresenta conceitos estudiosos que conseguem dar sustentação a sua proposta com uma ampla base em diversos campos de pesquisa sobre esse tema. Este é o caso dos estudos genéticos, neurobiológicos, sobre padrões familiares, características psicológicas das crianças, experiências traumáticas ao longo do desenvolvimento, dentre outros campos de pesquisa que sejam realmente relevantes para essa área (Crowel, Beauchine & Lenzenweger, 2008). Isto é, estamos falando não só de um modelo teórico altamente sólido, mas, também, de uma teoria que é simples de ser explicada e entendida pelos pacientes (Linehan, 2010a). Essa última característica confere ao modelo biossocial uma excelente aplicabilidade clínica para que os pacientes consigam entender o que de fato acontece com eles e como eles podem fazer para gerenciar melhor as suas emoções (Linehan, 2015).
Regulação emocional e seus quatro princípios.
Para iniciarmos uma definição sublimada do modelo biossocial, vamos definir o que é regulação emocional em quatro princípios. O primeiro desses define-se pela capacidade de inibir o comportamento impulsivo ou inapropriado relacionados a emoções intensas (sejam agradáveis ou desagradáveis de sentir) (Linehan, 2015). Suponha uma situação onde você está indo prestar prova para um concurso, ou andando no meio da universidade e de repente você tropeça e cai na frente de muitas pessoas. Imagine sentir vergonha e a vontade de sair correndo da frente de todo mundo. E ao invés disso, simplesmente você se levanta e se direciona para fazer a prova. Esse exemplo evidencia muito bem a capacidade de inibir o comportamento impulsivo ou inapropriado frente a uma ativação emocional. Observem que em nenhum momento se fala em parar de sentir vergonha, pois é provável que nós continuássemos envergonhados em uma situação dessas, no entanto, o nosso comportamento não estaria sendo dependente do impulso que a vergonha nos gerou.
Já o segundo é definido como a capacidade de se auto organizar para desenvolver ações direcionadas para objetivos ao invés daquelas impulsionadas pela ativação emocional (Linehan, 2015). Se lembrarmos do exemplo citado acima podemos perceber claramente esse princípio, uma vez que a pessoa teve de ter uma ação direcionada para um objetivo (fazer a prova) não executando a ação impulsionada pela ativação emocional (sair correndo).
O terceiro envolve conseguir reduzir a ativação fisiológica quando alguma emoção intensa for ativada. Aqui tentem relembrar a primeira pessoa pela qual vocês se apaixonaram (Linehan, 2015). Tentem lembrar-se de uma situação em que vocês iam conversar com essa pessoa e parecia que o coração de vocês sairia pela boca, pois ele batia tão forte, mas tão forte, que foi necessário parar, dar uma respirada, tomar coragem e ir lá falar com essa pessoa. Essa breve pausa para “tomar coragem” significa conseguir reduzir um pouco e brevemente os sintomas físicos relacionados a essa intensa ativação emocional, para que fosse possível ter a ação de conversar com a pessoa.
O quarto princípio está relacionado a conseguir alternar o foco atencional quando estiver em uma resposta emocional intensa (Linehan, 2015). Imaginem uma reunião de amigos na qual o primo de um dos seus amigos faz uma afirmação claramente xenofóbica, o que acaba deixando vocês muito desconfortáveis. A partir disso, vocês começam a tentar desfocar a atenção do que essa pessoa está falando para tentar se acalmar e não acabar tendo uma atitude agressiva com o primo de um amigo durante uma confraternização.
Percebemos nesses princípios que definem a regulação emocional, que a desregulação emocional envolve a falha desses quatro componentes, ou, podemos observar que a desregulação emocional tem relação com uma resposta comportamental direcionada pela emoção da pessoa e que está vinculada a demandas do momento, por exemplo, uma discussão de casal devido a diferentes visões a respeito de qual filme ver no cinema, um dos membros do casal, por estar com raiva do outro não está aceitando a sua sugestão de filme e acaba falando “eu não aguento mais você e toda essa sua intransigência”. Não necessariamente essa pessoa não aguenta mais a outra e queira se separar. É até provável que essa pessoa realmente ame o seu cônjuge, porém, naquele momento, por estar com raiva, acaba não conseguindo inibir o comportamento e não consegue sustentar uma ação que tenha relação com os seus objetivos de longo prazo. No entanto, nem sempre, seguir o que a nossa emoção nos impulsiona a fazer irá acarretar em prejuízo para objetivos futuros. É justamente nesse ponto que é fundamental uma compreensão adequada do que é regulação emocional e do que é desregulação emocional.
Seguir o impulso da emoção pode estar relacionado com ações que compreendem objetivos de longo prazo. Ao mesmo tempo, é possível diante de uma situação específica abrir mão de objetivos de longo prazo em favor de ações de curto prazo que re-configuram novos objetivos de longo prazo, o que jamais seria entendido como desregulação emocional, mas sim, como flexibilidade. Isto é, só iremos definir a ideia de desregulação emocional quando a ação impulsionada pela emoção estiver focada em uma demanda do momento que o resultado prático seja ou a intensificação da situação problema e/ou a formatação de novos problemas sem que a pessoa tenha de fato percepção desses efeitos (Linehan, 2010; 2015).
Há pessoas que habitualmente em suas vidas conseguem manter um padrão de respostas com muita regulação emocional, ou seja, elas conseguem muitas vezes utilizar os quatro princípios da regulação emocional supracitados e mesmo assim vão encontrar situações onde a ativação emocional seja realmente intensa e, terão dificuldades de regular a sua emoção. Podemos concluir que desregular a emoção faz parte da vida. Todos nós teremos experiências nas quais não conseguiremos regular adequadamente as nossas emoções. Quem nunca acabou falando algo mais intenso do que gostaria para alguém quando estava com muita raiva, ou apaixonado (a), ou muito feliz? Esses exemplos servem para esclarecer esse aspecto importantíssimo de ser compreendido, que é o de que todos nós iremos desregular a emoção em algum momento de nossas vidas.
Diferentes níveis de desregulação emocional
Temos de entender que existem diferentes níveis de desregulação emocional, sendo que um deles envolve um padrão global (Koerner, 2012). As pessoas que possuem esse padrão normalmente evidenciam respostas emocionais intensas e instáveis com um padrão comportamental marcado e dependente de seu estado emocional. A principal consequência dessa desregulação emocional global são comportamentos intensos e auto destrutivos, por exemplo, condutas suicidas e comportamentos auto lesivos sem intencionalidade suicida (CASIS). Contudo, observa-se que essas pessoas acabam apresentando muitos problemas em suas relações interpessoais devido as suas reações instáveis e intensas que necessitam de ações marcadas de regulação emocional para desenvolvê-los, e, por fim, déficits importantes de identidade pois uma vez que essas pessoas respondam normalmente baseadas em sua emocionalidade (que naturalmente já é mais intensa), faz com que elas possuam respostas instáveis constantemente o que acaba fazendo com que essas pessoas não consigam estabelecer bem uma sensação de conexão com os outros. A identidade delas é caracterizada pelo momento atual e reconfigurada a cada situação vivida, sendo ela imprevisível, com muita variabilidade e instabilidade. Coloca-se que o padrão de desregulação emocional acaba estando associado a desregulação comportamental, interpessoal, cognitiva e de identidade, e é justamente para explicar o que é e como ocorre o desenvolvimento desse padrão que o modelo biossocial foi desenvolvido (Linehan, 2010; 2015).
Sendo assim, essa resenha referente ao modelo biossocial transpôs explicações básicas sobre o que é desregulação emocional, desenvolvido por Linehan, para compreender o porquê do entendimento desse padrão é tão fundamental para um adequado tratamento psicoterapêutico.